Como foi dito em
postagens anteriores, o cGMP (GMP cíclico) é um importante mensageiro
bioquímico, capaz de induzir várias mudanças nas células. Sua produção só
ocorre caso a enzima chamada guanilato ciclase esteja ativada. Nos rins, essa
enzima é ativada especificamente pelo hormônio peptídico Fator Natriurético
Atrial (FNA), o qual é produzido pelas células do átrio direito do coração[1]
quando este órgão encontra-se tensionado pelo aumento do volume de sangue. A
maior concentração do nucleotídeo nos rins altera o funcionamento dos canais
iônicos dos néfrons, o que induz o aumento na excreção de sódio e também de
água (esta última movida pela alteração da osmolaridade/pressão osmótica). A
maior excreção de água reduz o volume sanguíneo, diminuindo a pressão exercida
sobre o coração, opondo-se, assim, ao estímulo que produziu a secreção de FNA.
Outro fato
interessante é que os músculos vasculares possuem também receptores de
guanilato ciclase para FNA. Nesse caso, o hormônio, depois de ligado ao
receptor, induz a vasodilatação, o que aumenta o fluxo e diminui a pressão
sanguínea. Assim, a ação para reduzir a pressão do sangue sobre o sistema
cardiovascular é conjunta.
Até hoje foram
identificados dois tipos de receptores para FNA, sendo todos eles localizados na
superfície da membrana celular. São NPR1 (ou NPRA) e NPR3 (ou NPRC) -NPR é a
sigla, em inglês, de receptor para peptídeo natriurético. O tipo 1 possui um
único segmento extracelular que se liga ao peptídeo e dois domínios catalíticos
para a atividade da guanilato ciclase. A ligação do hormônio produz mudanças
conformacionais no receptor, gerando sua dimerização[2]
e ativação (o que permite a conversão de GMP em
cGMP). Já o tipo 3 funciona basicamente como um receptor de “limpeza“,
uma vez que se liga ao hormônio e o remove da circulação. (A figura acima representa, à esquerda, o receptor do tipo 1.)
O FNA, por ser um
peptídeo, tem sua composição de aminoácidos codificada por um gene o qual
possui 3 éxons[3] e
2 íntrons. A sequência de bases nitrogenadas inicialmente codifica um peptídeo
de 151 aminoácidos, chamado de pré-pró-FNA. A clivagem de uma sequência de 25
aminoácidos da terminação amínica origina o pró-FNA. Depois, uma
protease-serina que fica na membrana da célula (o miócito cardíaco), chamada de
Corina, cliva uma sequência de 28 aminoácidos da extremidade carboxílica[4],
originando o FNA final.
A molécula final
contém um peptídeo de 28 aminoácidos com um anel composto de 17 aminoácidos no meio da molécula.
Esse anel é formado por uma ponte bissulfeto entre dois resíduos de cisteína
nas posições 7 e 23.
Desse modo, o FNA
constitui-se um poderoso vasodilatador envolvido diretamente no controle
homeostático de sódio e água no organismo. Assim, ele é capaz de minimizar a
pressão arterial e atua de modo inverso à aldosterona, hormônio produzido pelo
córtex das glândulas suprarrenais e que induz a um aumento na reabsorção de
sódio, provocando maior retenção de água (menor excreção desta na urina), o que
aumenta a pressão arterial.
Nelson,
David L. Cox, Michael M. Princípios de
Bioquímica de Lehninger. Porto Alegre: Artmed, 2011.
[1] Esse fato permite
classificar o coração como uma
glândula.
[2] Dimerização é a formação
de um dímero a partir da união de duas unidades monoméricas. No caso de um
composto proteico ou peptídico, consiste na união de dois aminoácidos (os
monômeros) por ligação peptídica para a formação de um dipeptídeo (dímero).
[3] Éxons são sequências de
nucleotídeos de uma molécula de RNA transcrito de um gene (em seres
eucarióticos) que permanece após o processo de splicing na molécula de RNA mensageiro. Esse processo consiste na
remoção de certas sequências de nucleotídeos, as quais são chamadas de íntrons, após o processo de
transcrição.
[4] Quando se formam
ligações peptídicas entre dois ou mais aminoácidos, formam-se duas terminações
ou extremidades livres (que não se envolvem em ligação peptídica): uma em que o
grupo amina está livre e outra em
que a carboxila está livre. Essas
extremidades pertencem a aminoácidos diferentes.
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